Elifhas Levi
Solidários com a fé e as esperanças desse grande homem, atrevemos-nos a escavar os escombros dos velhos santuários do ocultismo;indagamos das doutrinas secretas de caldeus, egípcios e hebreus, os segredos da transfiguração dos dogmas e objivemos a resposta da verdade eterna - a verdade, que é una e universal como o ser; a verdade que vive em meio às forças da natureza, os misteriosos Elohim que recriam o céu e a terra quando, durante algum tempo, o caos se apodera da criação e de suas maravilhas e quando o espírito de Deus somente paira acima do abismo das águas.
A verdade encontra-se acima de todas as opiniões e facções.
A verdade é a vida e a vida se prova mediante o movimento. É por meio do movimento determinado e efetivo, enfim, por meio da ação que a vida se desenvolve e assume novas formas. Pois bem, damos o nome de criação aos desenvolvimentos da vida por si mesma e à sua produção de formas novas. Damos o nome de verbo à potência inteligente atuante no movimento universal de maneira transcendental absoluta. É a iniciativa de Deus, que jamais pode permanecer sem efeito bem como não pode deter-se sem ter logrado seu fim. Para Deus, falar é fazer, o que deveria ser sempre o poder da palavra, até mesmo entre os homens; a verdadeira palavra é o sêmen das ações. Não é possível que uma emissão de inteligência e de vontade seja infecunda sem haver abuso ou profanação de sua dignidade original. Essa é a razão de o Redentor dos homens dever nos exigir uma elevada prestação de contas, não somente dos pensamentos descaminhados como também, e sobretudo, das palavras ociosas.
Segundo o Evangelho, Jesus era poderoso em obras e em palavras, obras primeiro e palavras depois; esse é o modo de estabelecer e provar o direito do discurso falado. Jesus se pôs a fazer e falar - diz em algum lugar um evangelista - a na linguagem primitiva da Sagrada Escritura, várias vezes uma ação é denominada verbo.
É no começo desse século - marcado pelo avanço da ciência experimental e o esforço da autoridade religiosa eclesiástica para preservar-se do difícil confronto com o ceticismo e a incredulidade - que nasce Alphonse Louis Constant ( nome de batismo correspondente ao hebraico Elifhas Levi Zahed), no dia 8 de fevereiro de 1810, em Paris.
O Dogma e Ritual da Alta Magia pode ser considerado a primeira obra da maturidade mágica de Eliphas Levi.
Quando foi lançado, em meados do século XIX, a Europa era sacudida por uma guerra fria e tensa entre a religião e a ciência, as quais só celebram tréguas muito efêmeras para abrir fogo com suas artilharias independentes contra aquilo que se convencionou chamar genericamente de ocultismo.
Portanto, a publicação do Dogma e Ritual... constituiu um ato de extrema ousadia.
Breve introdução: Dogma e Ritual
O que ocorreu no mundo e por que os sacerdotes e os reis tremeram? Que poder secreto ameaça as terras e as coroas? Eis aqui alguns loucos que correm de país em país e que escondem, segundo dizem, a pedra filosofal sob seus farrapos e sua miséria. Podem transformar a terra em ouro e contudo carecem de pão e de asilo! A fronte deles é cingida por uma auréola da glória e por um reflexo de ignomínia. Um descobriu a ciência universal e não sabe como morrer para escapar às torturas de seu triunfo: é o maiorquino Raymundo Llullio. Outro cura com remédios fantásticos as enfermidades imaginárias e oferece um desmentido formal ao adágio que comprova a ineficácia de um cautério em uma perna de madeira: é o maravilhoso Paracelso, sempre ébrio e sempre lúcido como heróis de Rabelais. Aqui temos Guillaume Postel, que escreve ingenuamente aos Padre do Concílio de Trento a fim de comunicar que descobriu a doutrina absoluta, oculta desde o começo do mundo e que já tarda para que a compartilhe com os demais. O concílio não se inquieta com o louco e nem mesmo se digna em condená-lo, passando ao exame de questões tão graves como a graça eficaz e a graça suficiente. Aqueles que vemos morrer pobre e abandonado é Cornélio Agrippa, o menos mago de todos e a quem o vulgo se obstina em considerar como o maior feiticeiro do mundo, porque era às vezes satírico e mistificador. Que segredos levaram todos esses homens às suas tumbas? Por que os admiramos sem havê-los conhecido? Porque foram condenados sem ser ouvidos? Por que são iniciados nessas terríveis ciências ocultas que atemorizam a Igreja e a sociedade? Por que eles sabem o que os outros homens ignoram? Por que eles dissimulam aquilo que todos anseiam saber? Por que estão investidos de um poder terrível e desconhecido? As ciências ocultas! A magia! Eis aqui duas expressões que dizem tudo e que ainda podem fazer-nos pensar mais. De omni re scibili et quibusdam aliis. ("338. De omnibus rebus et quibusdam aliis - A respeito de todas as coisas e de algo mais. )
Essa expressão tem origem no título da décima primeira tese das novecentas que JoãoPico della Mirandola defendeu em Roma em 1486 (Ad omnis scibilis investigationem et intellectionem, 'para a investigação e a compreensão de tudo o que pode ser sabido'). Tal título foi depois transcrito ironicamente como De omni re scibili et quibusdam aliis, 'sobre todas as coisas que podem ser sabidas e algo mais', e, ainda mais zombeteiramente, na versão acima apresentada, onde o 'algo mais' não vai só além daquilo que pode ser sabido, mas além de tudo. A frase agora é usada a propósito das pessoas que pretendem tratar um assunto exaustivamente, amontoando material sem descartar o que não é pertinente; ou, mais genericamente, a propósito de tagarelas e sabichões. Um paralelo divertido está no primeiro ato da ópera O elixir do amor (l'Elisir d'amore) de G. Donizetti com libreto de F. Romani, em que o vendedor ambulante Dulcamara proclama que os seus portentosos poderes são conhecidos no universo e em outros lugares (Noti all'universo e in altri siti)."
O que é, portanto, a magia? Qual era o poder desses homens tão perseguidos e tão intratáveis? Por que , se eram tão fortes, não venceram seus inimigos? Por que, se eram tão insensatos e tão débeis, se lhe dispensava a honra de temê-los? Existe uma magia, existe verdadeiramente uma ciência oculta que seja certamente um poder e que opere prodígios capazes de compelir com os milagres das religiões autorizadas? A essas perguntas principais responderemos com uma palavra e com um livro. O livro será a justificação da palavra e essa palavra é: sim - existiu e existe uma magia poderosa e real: sim - tudo quanto as lendas dizem é certo: aqui, única e contrariamente ao que acontece em geral, os exageros populares não se achavam apenas de lado mas bem sob a verdade.
Sim, existe um segredo formidável cuja revelação já transtornou o mundo, como o testemunham as tradições do Egito, resumidas simbolicamente por Moisés no começo do Gênesis. Esse segredo constitui a ciência do bem e do mal e seu resultado, quando divulgado, é a morte. Moisés o representa sob a figura de uma árvore que está no centro do paraíso terrenal e próxima, e com as raízes comuns à árvore da vida; os quatro rios misteriosos tomam seu manancial ao pé dessa árvore, que é guardada pela espada flamejante e pelas quatro assinatura da esfinge bíblica, o querubim de Ezequiel... Mas aqui devo me deter a até temo ter dito demasiado. Sim, existe um dogma único, universal, imperecível. forte como a razão suprema, singelo como tudo que é grande, inteligível como tudo que é universal e absolutamente verdadeiro e esse dogma foi o progenitor de todos os demais.
Sim, existe uma ciência que confere ao homem prerrogativas, de aparência sobre-humana... e ei-las aqui, tais como eu as encontrei enumeradas em um manuscrito hebraico do século XVI.
Eis aqui e agora os privilégios e os poderes daquele que detém, em sua mão direita, as clavículas de Salomão e, na esquerda, o ramo florido da amendoeira.